Seis histórias intrigantes sobre as moedas digitais pré-Bitcoin
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Introdução
Em 2008, o Bitcoin foi lançado na teoria e, em 2009, já estava funcionando na prática, com sua primeira versão funcional no ar. Mas o Bitcoin foi de fato a primeira e a mais original ideia de uma moeda digital? A verdade é que muita coisa aconteceu antes do “Bitcoin Boom” e, neste artigo, vamos contar um pouco sobre essas iniciativas. Foram pelo menos seis tentativas, ao longo de quase 40 anos. Quer saber quais foram elas? Então acompanhe este artigo!
Cientistas, matemáticos, criptógrafos e até médicos já tentaram criar algum tipo de moeda digital desde o final dos anos 1980 até meados dos anos 2000. Nenhuma das tentativas sobreviveu até os dias atuais. No entanto, boa parte desse legado serviu de inspiração para Satoshi Nakamoto – e alguns desses trabalhos constam até no White Paper do Bitcoin, como fonte de referência.
Primeira tentativa: eCash, 1983
Uma das primeiras tentativas de moeda digital foi o eCash, de 1983. Seu criador – David Lee Chaum – é considerado um dos maiores criptógrafos do mundo.
Chaum é considerado o “pai” da ideia do dinheiro digital, por conta justamente do eCash, que foi a primeira discussão no mundo sobre esse tema.
A ideia por trás do projeto era criar um mecanismo de saldos e pagamentos em que o dono de uma carteira não precisasse fornecer KYC (“Know-Your-Customer”), dados sensíveis ou um cartão de crédito para o recebedor ou comerciante em uma transação de pagamento. Basicamente, ele trabalhou muito em cima do conceito de anonimato de transações e o eCash foi uma das primeiras iniciativas que propôs a ideia de assinatura digital usando chave pública.
Em 1983, ele escreveu um artigo chamado “Blind Signatures for Untraceable Payments”, no qual apresentava as ideias de como uma transação financeira poderia ser realizada apenas com base em assinatura digital para verificação de autenticidade.

No entanto, a verdade é que o projeto, apesar de ter uma solução de anonimato de transações boa, não apresentava uma resposta muito clara à descentralização ou ao problema do gasto duplo. Era um projeto que dependia bastante de uma entidade central emissora para funcionar e acabou naufragando.
HashCash: o nascimento da prova-de-trabalho
Na década de 1990, mais precisamente em 1997, uma outra ideia envolvendo autenticação, prova-de-trabalho e emissão digital de tokens surgiu. Batizada de “HashCash”, essa ideia, do ponto de vista técnico, era tão boa que chegou a ser usada em algumas implementações reais e, em 2008, inspirou diretamente o Bitcoin.
Nos anos 1990, a internet estava sendo invadida por spammers, que inundavam as caixas de entrada das pessoas com e-mails indesejados. Foi aí que o criptógrafo e desenvolvedor britânico Adam Back teve uma ideia inovadora para resolver esse problema: a prova de trabalho – ou, em inglês, o famoso “proof-of-work”!
O proof-of-work é uma ideia simples e genial que consiste em usar poder computacional para criar escassez digital e, ao mesmo tempo, demonstrar a propriedade de um token. Basicamente, um computador precisa gastar energia para resolver um problema complexo e gerar um token digital exclusivo, o chamado “hash”. Esse hash é a prova de que o computador realizou o trabalho necessário para gerá-lo.
Para ficar mais claro, vamos a uma metáfora: imagine que você está em uma corrida de obstáculos em que cada obstáculo é uma conta matemática difícil de ser resolvida. Para conseguir passar por cada obstáculo, você precisa gastar uma quantidade significativa de energia e recursos mentais. E, para provar que você passou por todos os obstáculos, você precisa mostrar a todos os seus amigos uma medalha única e especial que só é entregue àqueles que concluem toda a corrida. Essa medalha é como um hash único que serve como prova de que você realizou o trabalho necessário para vencer a corrida – assim como na prova-de-trabalho em blockchain, em que apenas aqueles que realmente se dedicam e gastam energia para passar por todos os obstáculos conseguirão a medalha e, consequentemente, a validação do seu esforço.
A ideia de Back com a prova-de-trabalho era fazer com que os remetentes de e-mail anexassem um hash exclusivo a cada e-mail enviado. O custo de criar cada hash seria baixo, mas o custo cumulativo de enviar milhões de e-mails de spam se tornaria proibitivo e, com isso, a prática de spam poderia ser facilmente inviabilizada.
Hoje em dia, o proof-of-work é amplamente utilizado em blockchains, como a do Bitcoin. Satoshi Nakamoto gostou tanto do hashcash que incorporou a ideia de prova-de-trabalho ao projeto do Bitcoin e citou o artigo do Adam Back nas referências do seu White Paper.
e-gold: o ouro digital
Em 1996, dois anos antes da criação do PayPal, um médico oncologista chamado Douglas Jackson e um financista chamado Barry Downey criaram o e-gold, um sistema de pagamento eletrônico lastreado em ouro que pretendia ser uma alternativa aos meios de pagamento tradicionais.
A ideia deles era simples: os usuários poderiam depositar ouro no sistema e receber um equivalente digital em e-gold, que poderia ser usado para fazer compras online. O e-gold também podia ser comprado e vendido como token, como acontece com as criptomoedas hoje.
Mas as coisas não eram tão simples quanto pareciam. O e-gold era um dinheiro privado, centralizado, e enfrentou uma série de desafios desde o início, principalmente com problemas de fraude e lavagem de dinheiro. Como o sistema era anônimo, muitos criminosos começaram a usá-lo para movimentar recursos ilegalmente. Isso atraiu a atenção das autoridades estadunidenses, que acabaram fechando o projeto em 2007 (um ano antes do Bitcoin).
No entanto, o e-gold deixou um certo legado: ele mostrou que era possível criar um sistema de pagamento eletrônico global e usar ouro ou metais preciosos como lastro e que existia um grande apelo por uma solução de moeda digital no mercado. O e-gold conseguiu atrair 5 milhões de usuários únicos no mundo em uma época em que a Internet estava apenas começando.
b-money: a teoria de uma moeda anônima e distribuída
Já no final dos anos 1990, uma nova iniciativa de moeda digital surgiu, o b-money. Ela foi proposta de forma teórica por Wei Dai na forma de um artigo, mas nunca chegou de fato a ser construída e testada.
Wei Dai é um cientista da computação formado pela universidade de Washington. Ele desenvolveu a biblioteca criptográfica Crypto++ e participou de inúmeros projetos e debates sobre o tema.
O b-money era baseado na ideia de um livro contábil distribuído – o Bitcoin bebeu direto desta fonte – no qual cada carteira dentro dessa rede manteria sua própria cópia do livro contábil, que, por sua vez, conteria informações sobre o saldos de todos os demais participantes.
Isso resolvia o problema da autoridade central na resolução das operações e no controle dos saldos e tornava o projeto resistente à censura e ao poder do Estado. O b-money também tinha um modelo de privacidade e anonimato bastante arrojado.
Mas, apesar de todas essas inovações, o b-money nunca foi implementado. Contudo, foi uma forte referência para o Bitcoin e, depois, até para a Ethereum.
Bit Gold: ouro descentralizado
Também em 1998, surgiu outro projeto que pretendia ser uma espécie de ouro digital, ou melhor, uma criptomoeda batizada de “Bit Gold”. Esse projeto foi proposto pelo criptógrafo americano Nick Szabo e a ideia era combinar a segurança da criptografia com o valor do ouro.
Nick Szabo é um pioneiro na área de criptografia: foi ele que, em 1994, cunhou o termo “smart contracts”. Szabo também é um defensor da privacidade e tem preocupações sobre a capacidade dos governos de monitorar as transações financeiras das pessoas há muitos anos.
O Bit Gold, enquanto proposta, era um sistema descentralizado que permitiria a criação de uma moeda digital baseada em um hash calculado. O processo de criação de uma nova unidade de Bit Gold exigiria a resolução de um quebra-cabeça criptográfico difícil, que, por sua vez, demandaria muito poder de computação. Uma vez que a solução do quebra-cabeça fosse encontrada, o Bit Gold seria criado e registrado em um livro-contábil, uma ideia parecida com a do Bitcoin também.
A principal vantagem do Bit Gold era que ele fornecia uma forma descentralizada e segura de transferência de valor que não dependia de intermediários confiáveis. O Bit Gold também oferecia uma maneira de proteger as transações financeiras da interferência do governo. No entanto, esse projeto acabou não sendo implementado, devido a dificuldades tecnológicas e à relutância dos investidores em acreditar que isso de fato seria uma uma nova forma eficiente de dinheiro.
RPOW – Prova de Trabalho Reutilizável
Em 2004 – seis anos depois do Bit Gold e quatro anos antes do Bitcoin -, surgiu o RPOW (“Reusable Proofs-of-Work”), um projeto estrutural de uma rede de emissão de tokens criada pelo desenvolvedor de software, cypherpunk e ativista de criptografia Hal Finney. Esse projeto foi uma ideia teórica, mas ele também chegou a ter um protótipo prático. A ideia era usar a prova de trabalho para criar uma moeda digital que fosse mais segura e mais fácil de usar do que as alternativas existentes.
Hal Finney era de fato um ativista do meio criptográfico e também foi uma das primeiras pessoas a se corresponder com Satoshi Nakamoto através de um fórum digital e um dos primeiros a receber Bitcoins.
O RPOW usava, como o próprio nome do projeto indica, a prova de trabalho para criar tokens digitais que poderiam ser usados como meio de pagamento, portanto, o processo de criação de tokens envolvia a resolução de um problema matemático e, posteriormente, o depósito desse saldo para o solucionador do cálculo. Mas ele não tinha uma ideia de livre mercado para esse token e, em muitas discussões, tratava-o como um ativo de valor pré-fixado.
Uma das principais vantagens do RPOW era a capacidade de reutilizar a prova de trabalho, ou seja, em vez de gastar recursos para resolver um problema matemático a cada transação, era possível usar a mesma prova de trabalho várias vezes. Isso tornava a moeda mais eficiente e menos onerosa do que outras criptomoedas.
Mas, apesar de todo esforço e mérito desse projeto, ele nunca foi adotado em larga escala. O RPOW foi pioneiro em muitos aspectos, virou referência, mas o projeto não conseguiu atrair um grande número de usuários nem conseguiu receber muito financiamento.
No fim das contas, também havia críticas quanto à complexidade do sistema, a aspectos de centralidade da execução de transações e da necessidade de um hardware específico para armazenar o node dessa rede.
Essas foram as principais moedas digitais existentes antes do Bitcoin. Você já conhecia algum desses projetos? Conhece outros que não foram citados aqui? Espero que tenham gostado!
Felipe Cabral é arquiteto de software de formação pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo e Bacharel em Letras pela UNIFESP. Desde 2017, está focado em construir soluções Digitais em WEB3 e Blockchain Based Apps, incluindo, mais recentemente, o universo Crypto as a Service e o Embedded Crypto no Mercado Bitcoin por meio do MB Cloud.